A voz de cada um de nós é única. Isso se deve ao facto de existirem muitos fatores que influenciam na configuração da voz final de um indivíduo: a anatomia da boca/nariz e outras cavidades de ressonância, configuração das cordas vocais, hábitos pessoais como fumar por exemplo, a cultura do indivíduo e a sociedade onde está inserido. Mas, quando se ouve a voz de um desconhecido, mesmo sem estarmos a ver a pessoa que está a falar, é possível reconhecer se estamos a ouvir uma criança ou um adulto, uma pessoa jovem ou idosa e, é claro, um homem ou uma mulher.
No doente transgênero que deseja alterar a sua voz, é preciso inicialmente fazer uma avaliação otorrinolaringológica detalhada da anatomia e funcionamento das cordas vocais para despiste de eventuais doenças e vícios de utilização, muito comuns da população em geral. Em seguida será necessário efectuar uma análise detalhada da voz normal falada e em esforço, levando em conta o uso profissional ou não da voz, e a expectativa do paciente em relação a como gostaria da sua voz final.
A alteração da voz poderá ser feita com cirurgia e / ou terapia da fala. A avaliação vocal, preferência e expectativa do doente e restantes procedimentos de feminização serão considerados para a decisão de qual técnica e em que momento realizar a cirurgia / terapia da fala. Como foi dito anteriormente, a anatomia das cordas vocais é definitivamente alterada durante a adolescência por influência hormonal, portanto há um limite físico (que a anatomia da corda vocal permite), do que é possível fazer em terapia da fala. Quanto maior for a alteração desejada da voz, maior será o esforço em terapia da fala necessário pelo paciente (o que poderá levar a vícios de utilização da voz e cansaço vocal) e perda da qualidade/pureza na voz.
Os pacientes que necessitem ou desejem alterações maiores do que a sua anatomia permite, a cirurgia poderá ser a mais indicada. Existem diversas técnicas cirúrgicas disponíveis para proceder à alteração da voz e, em geral, baseiam-se no princípio do som produzido pela vibração de uma corda, neste caso a vocal. A exemplo da corda de uma guitarra, se diminuirmos a massa, se a esticarmos ou se a encurtarmos, vamos tornar o som produzido pela sua vibração mais agudo (feminização). Por outro lado, se aumentarmos a massa, se a alargarmos ou se a alongarmos, o som produzido será mais grave (masculinização).
Todas as técnicas têm vantagens e desvantagens, algumas técnicas não podem ser utilizadas em alguns doentes e algumas não podem ser associadas a outros procedimentos cirúrgicos e os resultados não são absolutamente previsíveis, mas o pormenor da avaliação prévia permite aproximarmo-nos o mais possível do resultado desejado.
A principal contra-indicação da cirurgia de alteração da voz são para os cantores. Isto porque toda a cirurgia leva a uma cicatriz e esta cicatriz será sempre mais rígida do que o tecido normal do doente. Isso leva a redução da plasticidade da voz, que é a característica fundamental do canto. Por outro lado, os cantores por terem maior plasticidade e domínio do uso da voz, também obtêm melhores resultados com a terapia da fala.